Maria Imaculada
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
O demônio apareceu a um monge disfarçado de anjo da luz e lhe disse:
– Eu sou o anjo Gabriel e fui enviado a ti.
O irmão, porém, lhe respondeu:
-Tem certeza de que não foi enviado a um outro? Eu não mereço a visita de um anjo. Imediatamente o demônio foi embora.
Neste segundo domingo, no caminho do Advento, encontramos a Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Voltaremos a encontrar Maria e José no Quarto Domingo, o último antes do Natal. Mais uma vez, somo convidados a refletir sobre aquilo que, nós cristãos, chamamos de “mistério da encarnação”. “Mistério” porque o que aconteceu foi algo muito mais do que humano, foi “divino”. Perante a grandeza de Deus e a novidade dos seus planos, a nós, pequenos seres em carne e osso, só resta a surpresa e o encantamento. Desta vez, porém, tem mais, porque Deus decidiu partilhar a nossa pobre e fraca realidade humana. Para isso, para garantir a sua verdadeira humanidade, quis ter uma mãe. Assim, temos ao menos duas perguntas sobre o “mistério da encarnação”: por que Deus se fez homem? – antiga questão desde os tempos de Santo Anselmo – e outra: por que ele precisou de uma mãe?
Começo a dizer que Deus faz coisas extraordinárias através de um jeito comum. Se para nascer e ser verdadeiramente humanos todos nós precisamos de mãe, assim também o Pai quis que fosse para o seu Filho. A outra resposta já sabemos pelo Catecismo: o Filho veio para nos salvar do mal, do pecado e da morte. Sobre esse assunto voltarei no Natal. Agora, quero continuar a refletir a respeito da colaboração da mãe, Maria.
A Igreja nos pede para acreditar que Deus Pai preparou para o Filho “uma mãe que fosse digna dele”. Continua, depois, o prefácio dessa Solenidade: “Puríssima, na verdade, devia ser a Virgem que nos daria o Salvador, o Cordeiro sem mancha, que tira os nossos pecados”. O que é mesmo a pureza? Antes de pensar outras coisas, precisa dizer que qualquer “pureza” começa primeiro no coração. Antes de ser exterior e se manifestar em gestos, palavras e ações, a pureza é algo interior. As más intenções vêm de dentro, ensinou Jesus. As boas também.
Por isso, quero explicar a pureza de Maria e um pouco da nossa, se assim o desejamos, com a sexta bem-aventurança que Jesus proclamou: “Bem-aventurados os puros no coração, pois eles verão a Deus” (Mt 5,8). As bem-aventuranças na sua plenitude podem ser entendidas como promessas para o futuro, mas seriam pouco interessantes se não nos trouxessem alegria e consolação desde já, neste mundo, quando já podem ser vividas como virtudes, busca e desejo. Até os apóstolos pediram para “ver” o Pai, mas Jesus respondeu de olhar para ele. Nos que têm fome, podemos ver vagabundos e acomodados ou irmãos necessitados. Ou seja, podemos ou não reconhecer Jesus. Somente os puros no coração veem coisas diferentes, veem a presença e o amor de Deus, onde outros enxergam só fraquezas humanas ou mesmo culpa e castigo. Até no nosso olhar para a natureza, ao nosso redor, podemos ver lucro, ganho e faturamento ou, se formos só um pouquinho “puros no coração” veremos a presença amorosa de Deus criador.
Maria ficou perturbada, perguntou, questionou, quis entender o que estava acontecendo. No fim, porém, confiou porque compreendeu que, através da sua humilde colaboração, podia realizar-se o projeto de Deus, tão grande e tão misterioso. Ela não podia saber tudo o que iria acontecer depois, mas na sua pureza de coração “viu” a presença de Deus em sua vida: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1,28). Este “ver” puro foi suficiente para o sim dela. Deus está muito mais perto de nós do que pensamos, sobretudo quando sofremos e choramos. Tem muitos nomes e rostos. Todo dia bate à porta do nosso coração. Cabe a cada um de nós limpar o nosso próprio olhar e saber reconhecê-lo. Se temos dúvidas podemos perguntar: és tu Senhor? Se não for, irá embora. Mas se for, vamos acolhê-lo como Maria.