Artigo de Dom Pedro

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O furo na parede

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

Havia uma casa de espessas paredes, construída há muito tempo no alto do monte. Estando isolada não era servida pela rede elétrica. Uma bela manhã, o velho camponês que a habitava, viu subir até a sua propriedade um carro cheio de material.

– Estamos para passar uma linha elétrica pelo planalto. Ela vai ficar perto da sua casa. O senhor gostaria de ser ligado a ela?

– Certamente! Seria maravilhoso! Terei enfim luz todas as noites, corrente para a serra e o torno, as imagens da televisão o dia inteiro!

– Mas as paredes da sua casa são espessas. Teremos que fazer um furo para a linha passar.

– Isso nunca! Vai fazer barulho, encher tudo de poeira! Na minha casa vocês não vão entrar! Não vão mexer nas minhas paredes! E o camponês teimoso, por não aceitar fazer uma brecha em sua carapaça de velhos hábitos, ficou sem luz em sua casa. Preferiu ficar no escuro e no escuro ficou.

Peço desculpa por contar uma historinha boba no domingo no qual encontramos uma das páginas mais lindas e comprometedoras dos evangelhos: a parábola do bom samaritano. A “compaixão” é a brecha que abre o nosso coração e deixa entrar a luz de Deus Amor. Dos três homens que encontraram o desafortunado caído no chão, somente um se deixou envolver, comprometeu-se e gastou do que era seu para ajudar. Somente ele se tornou “próximo” de verdade do ferido. Os outros dois, apesar da sacralidade e respeitabilidade do ofício, passaram adiante. Todos nós sabemos que é muito fácil encontrar desculpas para tentar justificar o nosso coração de pedra. Para muitos, hoje, a “compaixão”. É uma fragilidade sentimental. Para Jesus era só amor ao próximo, sem enfeites ou holofotes, sem tantas leis, verbas, projetos, ONGs e tudo mais. Algo, enfim, ao alcance de todos. Basta um coração amoroso e compassivo. Um coração “humano”, a imagem e semelhança do coração de Deus.

No final do trecho evangélico, ficamos sabendo que o mestre da Lei, que tinha feito a pergunta, entendeu o ensinamento. A ele, e a todos nós, Jesus diz: “Vai e faze a mesma coisa” (Lc10, 37). “Fazer”! A parábola do bom samaritano não é simplesmente um bom conselho ou uma orientação moral, é a exemplificação da identidade do cristão. “A vida eterna” é mais do que um prêmio ou uma herança para o outro mundo, após a nossa morte. Ela é a presença de Deus em nossa vida agora, deve ser a luz que ilumina e dá sentido ao nosso agir no dia a dia. O que virá depois será pura gratuidade de Deus da sua infinita misericórdia e bondade.

Nós, cristãos, tomamos muito a sério o “mandamento” de Jesus: “Fazei isso em minha memória”. Fazemos isso em todas as missas. É a “memória litúrgica” de Jesus à qual deveria corresponder a “memória existencial”, porque não pode ter separação entre o que cremos e celebramos e o que vivemos. Quem tem dupla personalidade está doente. Deve se deixar curar. E a cura vem do outro “mandamento” que Jesus nos deixou também na Última Ceia, antes da sua paixão e morte. No fim do lava-pés, Jesus perguntou aos discípulos se tinham entendido o seu gesto e, à resposta afirmativa deles, disse: “Dei-vos o exemplo, para que também vós façais assim como eu vos fiz” (Jo 13,15). De novo, um “fazer”! A fé cristã é mais que um conjunto de do utrinas e práticas religiosas. É uma maneira de encarar a vida humana com todas as suas belezas e fraquezas, com seus anseios e esperanças, mas também dúvidas e incertezas. Toda escolha traz um risco e revela em que confiamos mesmo. Se nos tornamos próximo dos sofredores é sinal que acreditamos no amor fraterno, que a nossa esperança não está tanto nas coisas e nos bens materiais, mas na possibilidade do coração humano de se tornar como deveria ser, fraterno e não inimigo, solidário e não indiferente. A luz da nossa vida não pode ser o dinheiro ou o último lançamento tecnológico ou a mais badalada diversão, só pode ser a capacidade de amar e fazer o bem a que precisar. Isto é possível a todos, cristãos e não, “homens de bem” e malfeitores. Basta abrir uma brecha. A luz do amor, que é Deus, entrará.

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