Reflexão para o II Domingo do Advento | 04 de Dezembro 2022 – Ano “A”
Por Dom Pedro José Conti
Um beduíno, muito obeso, pediu a um eremita, pele e ossos, um conselho para emagrecer. O eremita respondeu:
– Experimente fazer longas corridas junto ao seu camelo. Após mais ou menos um mês, o beduíno voltou para visitar o eremita. Este lhe perguntou se havia conseguido algum benefício, seguindo o seu conselho.
– Ó certamente! – respondeu o beduíno – O camelo perdeu vinte quilos num mês.
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No evangelho do Segundo Domingo de Advento, encontramos a pessoa de João Batista e a sua pregação. João vivia no deserto da Judeia de maneira muito austera, jejuando e vestindo roupa grosseira. O que logo chama a nossa atenção são as palavras que ele usa para convidar à conversão: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). Mais tarde, depois que João foi preso, Jesus iniciou a pregação dele exatamente com palavras iguais (Mt 4,17). Muitos ficaram confundidos, até Herodes achou que Jesus era o João Batista ressuscitado (Mt 14,2).
Precisamos aprofundar essa questão. Sem dúvida, João Batista preparou o caminho para Jesus e antecipou algumas das suas palavras. De fato, eram tempos de grande espera, falava-se muito do “messias” que devia chegar. Fazia muito tempo que os profetas o tinham anunciado, mas ninguém sabia quando, como e onde iria aparecer. Daí o convite a ficar atentos, a mudar de vida, a fazer penitência, para estar prontos na hora da grande chegada. No entanto se prestarmos melhor atenção à pregação do Batista e a confrontarmos com as palavras de Jesus, logo percebemos as diferenças. João usa palavras fortes, fala do “dia da ira”, ira de Deus evidentemente, e ninguém poderá escapar disso. Ele fala do machado que está colocado à raiz das árvores para cortá-las se não produzirem
frutos. Aquele que virá, o “esperado”, limpará a sua eira, guardará o trigo no celeiro, mas queimará a palha “no fogo que não se acaba”. Também Jesus usará algumas frases “de efeito” como estas do Batista, chamando alguns de hipócritas e “raça de víboras”, mas, na prática, ele teve uma atitude de compaixão e misericórdia com os pecadores que frequentava sentando à mesa com eles e elas. Por isso, Jesus foi chamado de “comilão e beberrão” (Mt 11,19).
Podemos entender que, às vezes, amedrontar alguém ou ameaçar com um castigo pode surtir o efeito de fazer a pessoa desistir de tomar certas atitudes naquele momento. No entanto o medo é passageiro e não convence ninguém. Quando quem falou se afasta ou vira as costas, o temor desaparece. O perdão também não é sucesso garantido. Contudo, o objetivo da misericórdia não é garantir que o erro nunca mais se repita, mas ajudar quem agiu mal a tomar consciência das consequências da sua ação e, ele mesmo, decidir não mais fazer sofrer alguém. Quando isso acontece, a experiência é de alegria e de alívio de ambos os lados: de quem fez o mal e de quem o recebeu. Sem rancores e vinganças, surge a chance de uma vida nova e diferente para todos. É isso que chamamos de “conversão”.
Quem agiu errado resolve se corrigir, e quem teve compaixão percebe que o seu coração está em paz. Por isso, o convite à conversão e ao exercício da misericórdia são sempre para todos. É questão de educação e treinamento. Poucos se tornam bons de uma hora para outra. Igualmente o perdão exige algo nada fácil: reconhecer antes os nossos pecados e defeitos e assim parar de julgar os outros e de condená-los.
Sessenta anos atrás, o santo Papa João XXIII, no discurso de abertura do Concílio Vaticano II, disse claramente que havia chegado a hora em que a Igreja, depois de ter, por séculos, apontado os erros da humanidade, devia usar de misericórdia e mostrar a todos o caminho de reconciliação e de paz. Muitos fazem como o beduíno que devia emagrecer e que correu junto ao seu camelo. Pelo jeito, porém, o fez montado no animal e não o acompanhando no esforço. O exercício valeu para o camelo, mas não para ele. Criticar e cobrar mudanças dos outros é sempre mais fácil do que nos envolvermos em primeira pessoa. João Batista cumpriu a missão dele, mas Jesus foi muito além: revelou-nos o rosto misericordioso de Deus Pai.