Salto a distância
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Um jovem perguntou a um eremita sentado fora da sua casinha:
– Tem um jeito certo para chegar à felicidade e ao paraíso?
-Tem – respondeu o homem – Mas é somente para os atletas.
– Maravilhoso! – desse o jovem – Pode contar comigo. Não está vendo os meus músculos? Estou bem treinado.
– Muito bem! – continuou o eremita – Vamos ver quanto longe você pode pular. Este é o ponto de partida e este é o primeiro metro. Juntarei 50 centímetros a cada bem que você achar importante para a sua vida. Com certeza, tem um carro…
– Claro!
– E uma casa bonita?
– Sim, foi herança do meu pai.
– Imagino que tenha ao menos uma TV, um smartphone e um tablet.
– Correto.
O eremita fez mais algumas perguntas e quando acabou a marca final tinha alcançado nove metros e meio.
– Agora, venha lá de trás com velocidade e pule – O jovem respondeu:
– Impossível, sou um atleta, mas não o recordista mundial!
– Mas você não quer chegar ao paraíso um dia? Eu lhe mostrei o jeito mais seguro.
– Quero! – continuou o jovem – mas o que tem a ver o paraíso com o salto a distância?
– Você não entendeu – retomou o eremita – mais coisas uma pessoa tem, mais longe tem que pular! É tão simples. Ao contrário, para quem não tem bens, basta dar um passo e já está dentro do paraíso.
No evangelho deste domingo “alguém” fez a Jesus uma pergunta semelhante àquela da historinha que acabei de apresentar. Queriam saber se tinha alguma garantia para participar da salvação. A resposta de Jesus é simplesmente “não”. Porque a salvação, entendida como visão beatifica ou o estar na paz e na felicidade de Deus, sempre será somente um dom dele mesmo. Não existem nem atalhos e nem privilégios. Raça, povo, religião, não garantem a entrada. O sermos conhecidos pelo Pai dependerá somente da semelhança que os filhos terão com ele, como com qualquer paternidade e maternidade. Essa semelhança só será possível através do seguimento arriscado e generoso do Filho primogênito, “imagem (visível) do Deus invisível” (Cl 1,15). Se o DNA de Deus é o amor perfei to, os filhos verdadeiros serão aqueles que na vida souberam também amar. Quem praticou a injustiça, o contrário do amor, desfigurou a imagem de Deus que devia resplandecer nele. Será irreconhecível!
E a porta estreita? Se o “paraíso”, salvação-felicidade, é um dom, por que Jesus diz de fazer todo o esforço possível para entrar? Essas palavras podem nos dar a impressão de que a entrada não seja somente um dom, mas sim uma conquista de alguns. Um merecimento ou um direito, então? Também não é verdade. O “esforço” não é garantia de entrada, é só o sinal do nosso compromisso, porque, enfim, encontramos o tesouro para o qual estamos dispostos a deixar todo o resto. Mas ainda temos uma dúvida; por que a porta é estreita? Será que Deus quer atrapalhar a nossa entrada? Não deveria ele ser mais feliz se todos conseguissem entrar no céu? Não é culpa de Deus, ele é amoroso com todos e pronto a perdoar até o bom ladrão, que morre na cruz com o nome de Jesus nos lá bios. Eu penso que a porta é estreita por culpa nossa e não de Deus. Abarrotamos na frente dela tantas coisas, materiais e não, que a bendita porta quase se torna invisível. Primeiro colocamos o dinheiro e as riquezas deste mundo; são esses os bens que procuramos com grande esforço a vida inteira. Depois, nós mesmos estamos lá na frente com o orgulho que nos torna cegos e nos faz duvidar da bondade do Pai. Pensamos que não precisamos dele, que o paraíso seja imaginação de fracassados deste mundo e que não tem nada que valha a pena depois que esta vida passar. Parece que hoje a porta do céu, larga ou estreita, interesse a poucos; temos coisas mais palpáveis para alcançar com as nossas forças, com a nossa inteligência e esperteza. Por que gastar energias para alcançar os bens do alto? Assim virão outros e passarão na frente. Talvez p orque mais simples e pobres, talvez só por ter esperado e acreditado numa Vida plena e não somente naquela passageira. Bem-aventurados os puros no coração, pois eles verão a Deus! Palavra de Jesus (Mt 5,8).