Conta Mark Twain: “Alguns anos atrás, estava assistindo a um ofício religioso quando um missionário veio fazer a pregação do dia. Começou a falar sobre a caridade, com um brilho, que a todos comoveu. Não fugi ao sentimento geral, e já tinha uma nota de 100 dólares na mão para colocar na bandeja das doações. Via gente até com mais dinheiro nas mãos para doar. Atingido o clímax, o orador não soube parar, e continuou falando e falando. O calor ia ficando mais forte e o sono se apoderando dos ouvintes. Mas o entusiasmo foi descendo, descendo até 50 dólares. O homem continuou a falar, e meu entusiasmo e meus dólares continuaram a descer. Finalmente, quando a bandeja passou por mim, coloquei nela 10 centavos”.
Seguimos, neste domingo, com o evangelho de Marcos e ele nos prepara ao momento daquela que estamos acostumados a chamar de “multiplicação dos pães e dos peixes”. Jesus tem compaixão do povo que tem fome da sua palavra e fome de pastores capazes de o guiar no caminho certo. O olhar de Jesus é o mesmo olhar misericordioso do Pai. Aquelas “ovelhas”, a numerosa multidão daquele tempo e a humanidade inteira, parecem-se com um rebanho perdido que não sabe mais para onde ir. No meio de tanta confusão de palavras e ideias, perderam o rumo e não tem quem possa ir à sua frente. Quem lhes dirá uma palavra confiável que valha a pena ser seguida e obedecida?
Jesus responde ensinando a todos a oferecer o pouco que tem. O evangelista não explicita nos detalhes o ensinamento de Jesus, mas apresenta os seus frutos, como veremos nos próximos domingos nos quais a Liturgia da Palavra nos fará ler o capítulo 6 do evangelho de João. Nele, Jesus será apresentado como o Pão da Vida (Jo 6,35), verdadeira comida e verdadeira bebida, mas também como aquele que tem “palavras de Vida Eterna” (Jo 6,68). Pão e palavra andam juntos. São as duas necessidades fundamentais da vida de qualquer ser humano: o alimento “material” para não morrer e satisfazer as nossas necessidades vitais e o alimento “espiritual” indispensável para sermos pessoas de relação e de amor. Por isso, por enquanto, Jesus ensina.
Marcos parece nos dizer que a fome da Palavra vem antes da fome corporal que Jesus também irá, depois, satisfazer. Se a mensagem de Jesus fosse acolhida seriamente seriam resolvidas a fome material e a fome de comunhão fraterna da humanidade. A proposta dele é sempre aquela do amor a Deus e ao próximo. Um amor real feito de sentimentos e razões, mas, sobretudo, de ações capazes de aproximar as pessoas, torna-las mais fraternas e amigas, construtoras de um mundo de paz e justiça. Com efeito, se ainda milhões de seres humanos passam fome e morrem de doenças, há tempo vencidas em outros lugares, é porque falta solidariedade e partilha. Esta é a Palavra-Boa Notícia que Jesus oferece a toda pessoa que decida reconhecer aos outros a mesma dignidade e o mesmo direito ao bem-viver. Para continuarmos a ser egoístas e interesseiros, cada um defendendo as suas vantagens e os seus privilégios através de armas atômicas, riquezas mal distribuídas ou leis injustas, não precisava que Deus Pai enviasse o seu Filho até nós.
Todos percebemos que há muitas coisas erradas no mundo e que não foi Deus que as quis. No entanto, o nosso anseio de mudança é muito fraco. Não nos atormenta como a fome de comida e a sede de água. Basta pouco para nos distrair ou basta alcançar um degrau a mais na sociedade para esquecermos da exclusão dos demais. Sempre olhamos para aqueles que achamos mais no alto da escada da vida, dificilmente olhamos para baixo. Pela situação confusa, culpamos os outros, o sistema, o destino, ou até mesmo Deus. Aceitar a responsabilidade de cada um, a nossa também, se feita de pequenos gestos de indiferença e de falsidade, nos custa muito. Nos falta escutar o ensinamento de Jesus e confiar mais na sua Palavra. Enchemo-nos demais com as nossas conversas. Acabamos saturados como numa pregação enjoada que nunca acaba. Um pouco de silêncio como aquele ao qual Jesus convidou os discípulos nos faria muito bem.