Reflexão para o Domingo do XXVII Domingo do Tempo Comum| 03 OUT 2021 – Ano “B”
1ª Leitura Gn 2,18-24 | Salmo:Sl 127,1-2.3.4-5.6| 2ª Leitura: Hb 2,9-11| Evangelho: Mc 10,2-16
| MACAPÁ (AP) | Por Dom Pedro José Conti
Estavam casados havia 50 anos. Tinham partilhado tudo na vida. Só uma coisa a mulher tinha pedido ao marido de nunca abrir: uma velha caixa de sapatos em cima do guarda-roupa. Agora, a mulher estava doente no hospital e disse ao marido que era chegada a hora de saber o que estava escondido naquela misteriosa caixa de sapatos. O homem abriu a caixa e encontrou duas bonequinhas de crochê e 85 mil reais. O marido pediu uma explicação. A mulher respondeu que tinha seguido um conselho que a sua velha avó lhe tinha dado antes do casamento: “Minha filha, todas as vezes que você ficar zangada com seu marido, procure não discutir. Deixe passar a raiva, pegue o crochê e faça uma bonequinha. O marido ficou alegre, afinal, só tinham duas bonequinhas na caixa. Tinham brigado só duas vezes em tantos anos. Faltava saber de onde vinha tanto dinheiro. A esposa respondeu: “Bom, o dinheiro é o que eu ganhei vendendo as outras bonequinhas de crochê!”.
Um caso ameno para apresentar uma questão séria e sofrida. No evangelho de Marcos, deste domingo, Jesus responde a mais uma provocação dos fariseus. Querem saber o que ele pensava sobre a permissão do divórcio, admitido por Moisés. Como em outras ocasiões queriam poder acusar Jesus de incentivar a desobediência a Lei. Ele não entra, porém, em detalhes sobre possíveis casos ou brechas na legislação em vigor. Não levanta questões que nem eram colocadas naquele tempo, como, por exemplo, o direito de decisão da mulher. Jesus lembra a “dureza do coração” humano e faz referência diretamente ao projeto de Deus “desde o começo”. Digamos que ele propõe uma meta, um ideal, para que o amor entre o esposo e a esposa, apesar e além de todas as dificuldades humanas, possa representar a fidelidade do próprio Deus à aliança com o seu povo.
A questão, portanto, não é posta no se é possível ou não se divorciar e casar com outra pessoa, mas naquilo que a união do casal significa numa visão da existência humana que não seja, simplesmente, segundo a natureza ou as circunstâncias. O que está em jogo, aqui, é a própria realidade do Deus dos cristãos que se fez conhecer como uma unidade e comunhão perfeita do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na mesma linha, o pecado da idolatria do povo, quando deixava o Deus verdadeiro para adorar outros deuses, sempre foi comparada ao adultério conjugal. Aquela que nós chamamos de “indissolubilidade” do matrimônio nunca foi somente uma obrigação determinada por uma lei, mas sempre teve um sentido muito maior, quase uma exemplificação humana e, portanto, visível do amor fiel e até ciumento de Deus para com o seu povo.
Para alguns, ou muitos, a não admissão do divórcio pode parecer uma exigência cruel, insustentável em tantos casos reais da vida. Papa Francisco, no documento “Amoris Laetitia”, do qual comemoramos os cinco anos de promulgação, fala que “O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém”, mas de “derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem de coração sincero. Porque a caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita” (AL 296). “Quanto às pessoas divorciadas que vivem em uma nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que “não estão excomungadas” nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial” (AL 243). O compromisso da comunidade eclesial é propor o projeto “do começo”, na firme convicção que a fidelidade e a indissolubilidade matrimoniais são dons de Deus e sinais “proféticos” num mundo cheio de divisões e de arranjos conjugais, onde prevalece mais a próprio interesse e bem-estar egoísta do que a partilha solidária e amorosa das “alegrias” e das “tristezas”, que a vida proporciona a todos. Como muitas outras coisas também o amor conjugal se aprende aos poucos, entre crises e recomeços, sempre acreditando que terá como fruto a alegria e a paz do casal e da família inteira. Com ou sem caixa de sapatos e bonequinhas de crochê. Mas com um amor tão grande que não caberia em caixa nenhuma.