Eu já teria morrido

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Reflexão para II Domingo do Tempo Comum| 16 JAN 2021 – Ano “B”

1ª Leitura 1Sm 3,3b-10.19 | Salmo: 39| 2ª Leitura: 1Cor 6,13c-15a.17-20 | Evangelho: Jo 1,35-42

| MACAPÁ (AP) | Por Dom Pedro José Conti

Um católico muito praticante escreveu ao diretor de um jornal, manifestando o seu desinteresse para ir à igreja aos domingos. “Faz trinta anos que vou na missa. Escutei, ao menos, 3.000 homilias, mas não me lembro absolutamente nada delas. Estou gastando à toa o meu tempo e acredito que os padres fazem o mesmo quando pregam por aí”. O diretor publicou a carta e recebeu muitas respostas, algumas a favor, outras contra. Um leitor escreveu o seguinte: “Estou casado faz trinta anos. Durante todo esse tempo, a minha mulher preparou 32.000 almoços e, juro, não me lembro do cardápio de nenhum. Sei, porém, com certeza, que todos aqueles alimentos me deram a força que eu precisava para o meu trabalho. Se não tivesse consumido o que ela preparava, hoje estaria morto. Igualmente, se não tivesse ido à igreja durante todos esses anos, para me alimentar também, eu já teria morrido espiritualmente”.

Neste primeiro domingo, após o tempo do Natal, a liturgia nos apresenta um trecho do evangelho de João, ainda no seu primeiro capítulo. João Batista aponta a Jesus e o chama de “Cordeiro de Deus”, um título com profundas raízes bíblicas. André, que era discípulo de João, entende logo que algo importante está em jogo. Deixa o Batista, aproxima-se de Jesus e já o chama de “Mestre”. Quer saber onde ele mora. Jesus, não lhe dá o endereço de um local, mas o convida a passar um tempo com ele. “Vinde ver” é a resposta.

O evangelho diz que os dois foram e “permaneceram” com Jesus. A palavra cheia de sentido é, evidentemente, o verbo “permanecer”. Não sabemos a duração dessa “permanência”, mas, com certeza, não foi uma simples visita de cortesia ou uma troca de amabilidades. Foi muito mais, foi a descoberta de alguém por muito tempo esperado: o Cristo. É isto que André diz a Simão, seu irmão: “Encontramos o Messias”. Ou seja, a espera longamente preparada, anunciada pelos profetas e ansiosamente vivida, terminou. Os dois discípulos, que com Simão, logo se tornam três, já sabem o que fazer. Deixam o Batista, ainda no limiar do Antigo Testamento, para iniciar um caminho novo com Jesus.

Esta é a nossa reflexão: tem algo que passa e algo que permanece. O antigo povo “passou” por muitas experiências: foram os anos “passados” no deserto, os anos do exílio, os anos da história conturbada de poder e conflitos, feita de momentos de vitória e momentos de destruição. Tudo passa? Nem tudo. Permanece aquilo que nós guardamos como aprendizagem e experiência e que se transforma em sabedoria, em luz para continuar o caminho da vida. Ou seja: no meio dos acontecimentos ao nosso redor e da nossa própria vida que passa, o que mesmo vai permanecer? Vivemos tempos frenéticos, de notícias se atropelando, de problemas novos surgindo, de seguranças que desmoronam, de propostas fantasmagóricas, além da nossa honesta imaginação. Por isso, palavras como “para sempre” amedrontam, soam impossíveis, até no amor e na vocação.

Em tempos de incertezas e dúvidas sobrando, tem sentido falar em algo – ou em Alguém – que permanece? Seria muito fácil responder “Deus” ou “Jesus”. Contudo para que “Deus” e “Jesus” não fiquem meras palavras, sem rosto e sem compromisso, mas sejam “pessoas” vivas nas quais podemos confiar, é necessário ter a coragem de “permanecer” com eles, ou seja, conhecê-los de perto, não por informações superficiais, costumeiras ou formais. Esse “encontro” é profundamente pessoal, mas também comunitário. Deus escolheu nos santificar e salvar, ensina-nos o Concílio Vaticano II, não separados uns dos outros, mas como “povo”, ou seja, numa comunhão de fraternidade e fé (LG 9).  Com isso espero ter ajudado a entender por que devemos participar da vida eclesial. Não é para aprender e lembrar algum conceito ou alguma doutrina. Certas coisas só se entendem praticando. O “permanecer” vai junto com o “participar”. São a Palavra praticada e a Eucaristia celebrada que nos alimentam e comprometem a nossa vida; somente assim seremos membros vivos de um corpo vivo. Sem alimento todo ser vivo, morre. Vale também para a nossa vida espiritual.   

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