A última folha: artigo de Dom Pedro

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A última folha

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

A mulher estava muito doente. Só estava aguardando a hora da despedida. Pela janela, via algumas árvores. O outono avançava e as folhas caíam. A mulher pensava: “Quando cair a última folha, eu também irei embora. Falta pouco”. O marido passava com ela quase o dia inteiro, tentava distraí-la e encorajá-la, mas nada a tirava da sua tristeza e conformação. Uma noite teve uma violenta tempestade. A chuva e o vento forte varreram a cidade toda. Ao amanhecer, a mulher pensou que nesse momento, que não tinha mais folhas nas árvores, ela também iria embora. No entanto olhou bem e viu que uma folha tinha ficado. Tinha resistido contra todas as forças da natureza. No coração da mulher voltou a esperança. Começou a melhorar e em poucos meses estava curada. Quando os médicos lhe deram alta e ela voltou para casa, soube que o marido tinha pintado aquela folha no vidro da janela.

Neste domingo, iniciaremos o tempo do Advento e com ele um novo ano litúrgico. Será um caminho que nos conduzirá ao Natal de Jesus. Podemos viver esses dias como algo já conhecido: um roteiro feito de compras, troca de presentes, algumas boas ações, muitos votos de felicidade e sorte. Talvez alguma emoção, se ficarmos bem com a nossa família. No entanto o evangelho deste Primeiro Domingo nos fala de surpresa. Como o dilúvio que surpreendeu quem não estava preparado. Como o ladrão que arromba a casa de quem deixou de vigiá-la. Os afazeres ordinários de alguns, no campo e no moinho, serão interrompidos. O convite é ficar atentos e preparados para reconhecer a vinda do Filho do Homem na vida comum, no dia a dia. É um alerta, sim, mas não para ter medo, é para não perder a oportunidade.

O evangelho deste domingo não é uma ameaça para nos amedrontar. É uma solicitação para acolher aquele que sempre vem e sempre pede para entrar em nossa vida: Jesus. Quem disse que a surpresa é de algo pior? E se fosse algo novo e melhor? Após o dilúvio, Deus fez uma aliança com Noé e com a natureza toda. Não sabemos se é melhor ficar no campo e no moinho ou ser levados. E se aquele homem e aquela mulher fossem levados para algo melhor? Deus Pai não enviou o seu Filho para afugentar dele a humanidade, mas para torná-la mais próxima. Esse é o sentido da salvação cristã: a surpresa de um encontro amoroso e agradável com Deus.

Vivemos momentos difíceis, de incerteza e de dúvidas. Quando alguém não sabe para onde ir, acaba ficando parado onde está ou escolhe um rumo diferente, de qualquer jeito. Assim vivemos divididos entre segurar àquilo que, pensamos, sempre foi feito ou a obsessão de uma criatividade que rejeita tudo, ou quase, daquilo que nos foi transmitido pelas gerações anteriores. Certo tradicionalismo não admite a mudança de situações e pessoas, como se fosse possível congelar a realidade da história. Do outro lado, a busca daquilo que se apresenta como “inédito”, novo e emocionante, nos faz rejeitar muito daquilo que nos parece repetitivo. O Natal é coisa nova ou velha? O Menino Jesus é novo ou nasce já careta, fora de moda? O velho e o novo dependem de nós. Somente se ficarmos atentos e preparados podemos aprender com o caminho andado e nos deixar iluminar pelo novo que aparece. Talvez o Menino Deus dos cristãos não seja tão surpreendente, porque ainda não o conhecemos como mereceria. Talvez seja velho o nosso entendimento sobre ele, porque o transformamos numa imagem do presépio, se já não o trocamos com o “velho” Papai Noel. Mas se o Menino Deus é o Amor que se faz carne, a “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15) nunca vai ter surpresa maior, nunca mais vai ter novidade melhor. A tempestade da propaganda, das disputas humanas, políticas e até religiosas, varre muitas coisas: projetos, sonhos e sentimentos. Temos a impressão de ter já visto de tudo. Não ficou nem uma folha? Não, alguém sempre novo existe. Se uma folha pintada numa janela salvou uma vida, quanto mais a vinda do Filho do Homem. Temos que ficar vigiando sempre para não perder a esperança.

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