Vive primeiro o que está escrito

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Foto: Obra Discípulos de Emaús – Cláudio Pastro

O Abbá Abrão contava de um Abbá de Skete que era escrivão e não comia pão. Chegou um irmão pedindo-lhe que copiasse um livro para ele. O ancião, que tinha o coração mergulhado na contemplação, não copiou todas as linhas e não colocou os sinais da pontuação. O irmão pegou o livro, e quis pontuar as frases, percebeu que faltavam algumas linhas e disse ao ancião: “Faltam algumas linhas, pai”.

Ele respondeu: “Vai, vive primeiro o que está escrito, depois vem e te escreverei o restante”.

Uma simples anedota dos Padres do deserto para uma grande lição. A Palavra de Deus é mais que um livro para ser lido: é um caminho de vida. No terceiro domingo de Páscoa, deste ano, encontramos o relato de mais uma aparição pós-pascal de Jesus. O trecho é do evangelho de Lucas e é a continuação da belíssima página dos discípulos de Emaús. Também lá, o peregrino, ainda desconhecido, explicava as Escrituras aos dois desanimados. Assim, eles mesmos disseram que lhes “ardia o coração” quando ele falava. Depois de tê-lo reconhecido “ao partir o pão”, os dois voltaram para Jerusalém de onde queriam fugir. Encontraram os Onze e os demais discípulos reunidos. Contaram o acontecido e escutaram a experiência dos outros. É nesse momento, de comunhão e partilha, que Jesus ressuscitado se faz presente. Também nessa “aparição”, ele faz questão de lembrar a sua paixão, como também lemos no evangelho de João. Quer ajudá-los a superar o susto, o medo e, também, a esclarecer as dúvidas. Para isso, Jesus novamente abre a inteligência deles explicando as Escrituras. Nada do que aconteceu foi por acaso ou sem motivação; basta entender bem o que já estava escrito.

Por que tudo isso é tão importante? Porque, para nós, Jesus ressuscitado não vai “aparecer”, mas continuamos a ler as Escrituras do Antigo Testamento e, agora também, os escritos do Novo Testamento. É a Bíblia, o conjunto de livros que nós cristãos chamamos de Palavra de Deus. Para alguns é um arquivo de costumes e culturas dos povos daquele tempo, nada mais que uma preciosa relíquia do passado. Para outros é um exemplo de sabedoria popular, construída ao longo de séculos. Sem dúvida, é um livro respeitado e muito estudado, mas para nós cristãos deve ser muito diferente. Nós não “visitamos” a Bíblia por causa de estudos ou de pesquisas, nós queremos entender, ou seja, abrir a nossa inteligência e o nosso coração àquela que, acreditamos, seja nada menos que Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras são a comunicação daquele que, para poder falar conosco, teve que se adequar às limitações humanas de língua e de compreensão. Deus, quis tanto “falar” com a humanidade – ao menos com alguns, para que a mensagem chegasse a todos – que a Palavra se fez “carne” na pessoa de Jesus de Nazaré. Porque Deus não falou e não fala somente com palavras, mas também com gestos, ações e acontecimentos. Por isso, a Bíblia não é um tratado sobre a Divindade, mas conta muitas histórias de pessoas e situações, alegres e tristes, maravilhosas e trágicas. Igual à vida de cada ser humano, em carne e osso, e de cada povo real. E Deus está envolvido nesta vida.

É dentro desse emaranhado de palavras e sentimentos, decepções e esperanças, fracassos e vitórias que nós devemos aprender a escutar a Palavra de Deus. A Bíblia, já deve ter ficado claro, não é um discurso, mas sim uma experiência de vida. Cada um de nós ama, sofre, faz coisas certas e coisas das quais depois se arrepende, às vezes ajuda os irmãos, outras vezes os machuca. O grande segredo para entender a Palavra de Deus, quando fazemos a memória daqueles acontecimentos, é, portanto, sempre confrontar a nossa vida com aquilo que lemos. A Palavra de Deus quer nos ajudar a experimentar, hoje, as maravilhas que Deus sempre fez e ainda faz para os seus amigos: o seu amor, a sua misericórdia, a sua fidelidade. A Palavra de Deus deve ser experimentada na vida. Somente assim se torna viva, atual e luminosa para o nosso caminhar. Mais a vivemos, mais a compreendemos.

Por: dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

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